Terça-feira, dia 15; recreio (mais especificamente, sentada em cima da pia do banheiro, esperando Thaís sair de dentro de uma das cabines)
Isso seria uma informação inútil e nojenta se a Thaís estivesse lá dentro fazendo o que disse que iria fazer. Mas, ao contrário do que ela deve achar, eu NÃO sou surda. Eu estou a ouvindo chorar.
Bem, ela reagiu melhor do que eu imaginei. Mas NINGUÉM NESSE MUNDO gosta de ver a melhor amiga chorando. E eu estou me sentindo COMPLETAMENTE culpada e enjoada. Bem, na verdade esse enjôo é por causa da ansiedade (porque, por mais que isso tudo me corte o coração, EU VOU PRA LOS ANGELES NO SÁBADO), mas é como eu estou me sentindo agora.
Tudo isso não estaria acontecendo se eu não fosse pra esse maldito intercâmbio.
Enfim, vou contar como tudo aconteceu:
Thaís se aproximou do nosso carro feliz e contente e eu abaixei o vidro.
Thaís: Bom dia Sra. Andrade, bom dia Lucas, bom dia Lara!
Mãe: Bom dia Thaís, como vai?
Thaís: Vou ótima! E a senhora?
Mãe: Muito bem. Larinha, é melhor sair do carro agora. Thaís, a Lara tem uma coisa para te falar.
Eu disse, em tom de sarcasmo: Obrigada por lembrar, mãezinha .
Minha mãe me olhou com uma cara, como se ela não tivesse entendido o que ela tinha feito de errado.
Mãe: Tenham um bom dia meninas.
Eu sai do carro, minha mãe foi embora.
Thaís: Então Lara, o que tem para me contar?
Eu: Ah, deixa pra lá. Eu conto depois.
Thaís: Não, pode contar agora.
O sinal tocou.
Eu: Olha, o sinal tocou. Não queremos nos atrasar para a primeira aula.
Thaís: Pode ficar tranqüila. A primeira aula é educação física.
Eu: Mas cabular é feio. Não devemos fazer isso!
Thaís: Lara, você cabula Educação Física desde a 6ª série, quando se mudou para cá.
O que a Thaís disse me fez lembrar da minha infância. Naquela hora eu tinha acabado de entender o porquê de estar tão ansiosa. Mas isso eu explico depois.
Eu: É, mas você não! Qual é Thaís, você não pode cabular uma aula.
Thaís: Hoje a aula é recreativa. Então, como toda aula recreativa, os meninos vão jogar futebol enquanto as meninas ficam sentadas conversando. Depois que acabar o tempo deles, elas vão pedir mais tempo para conversar, e eles pra jogar. As meninas mais esportivas vão jogar com eles e o resto vai passar o resto da aula conversando. Bem, e eu lendo. Já que você NUNCA está lá pra conversar comigo.
Eu: Nossa, me desculpe. Eu não sabia que você ficava tão chateada com isso.
Thaís: Não, tudo bem. Eu já me acostumei. Agora para de enrolar e fala.
Eu: Tudo bem, mas a notícia não é nada boa.
Respirei fundo e ela também.
Thaís: Poda mandar.
Eu: Bem, como você sabe, a matéria que eu mais me dou bem... Na verdade a ÚNICA que eu me dou bem é Inglês, certo?
Thaís: Certo. Porque você nasceu e viveu 10 anos nos estados unidos.
Eu: Então, minha mãe me disse que havia conversado com a nossa professora de Inglês e ela sugeriu que eu voltasse pra lá.
Thaís: Tipo... Ir morar lá... De novo?
Eu: Mmmm... Na verdade não. Tipo intercâmbio. Passar uns anos lá e voltar.
Thaís: E sua mãe...
Eu: Bem, minha mãe adorou a idéia.
Thaís: E...
Respirei fundo, fechei os olhos e mandei de uma vez:
Eu: Estou indo pra Los Angeles, Sábado de manhã.
Desse momento percebi os olhos de Thaís enchendo de lágrimas. E os meus também.
Ficamos em silêncio por um momento.
Thaís disse com uma voz bem baixinha e triste, tentando não demonstrar que estava chorando: Nossa, que bom. Fico feliz por você.
Eu disse, no mesmo tom que ela: Obrigada.
E tentei sorrir, mas parecia que minha boca não estava conseguindo se abrir.
Me aproximei para abraçá-la, mas ela disse, se afastando:
Thaís: É... Lara... Eu vou ao banheiro. Já volto
E saiu correndo.
Eu, obviamente, saí correndo atrás.
E aqui estou eu, escrevendo, sentada na pia do banheiro. E recebendo olhares atravessados de todas as meninas que entram e vêem uma garota sentada na pia, escrevendo. Mas quer saber, EU NEM LIGO! Tenho problemas piores.
E parece que esse é o momento de resolvê-los. Thaís está saindo do banheiro. Vou TER de falar com ela.
Me deseje sorte (de novo)...
Terça-feira, dia 15; depois das aulas
Tudo bem, está tudo bem. Vou explicar o que aconteceu:
Thaís saiu do banheiro com o rosto todo inchado e os cílios molhados.
Eu: Thata, olha, eu não queria te magoar. Mas é que eu precisava falar aquilo.
Thaís: Tudo bem.
Ela sorriu.
Nesse momento me senti um pouco mais aliviada.
Dessa vez, ela veio para me abraçar. Eu, claro, não desviei e abracei-a também.
Thaís disse afastando-se de mim aos poucos: E veja pelo lado bom, sexta-feira acabam as aulas. Eu, se tudo der certo, farei novos amigos por lá. E você lá em Los Angeles.
Eu: Mas nós nunca vamos deixar de nos falar, combinado?
Thaís: Combinado.
Nós sorrimos e nos abraçamos de novo.
Naquele momento, eu sabia que ia ser difícil no começo, mas que no final das contas, acabaria tudo bem.
Thaís: Ei, já que você vai para Los Angeles, você não acha que precisaria de uma renovada no guarda-roupa?
Eu: Tem alguma coisa de errado com as minhas roupas?
Thaís: Não, mas é que... É tudo tão não-hollowoodiano.
Eu: Que tal amanhã, depois das aulas?
Thaís: Perfeito!
O sinal tocou.
E seguimos abraçadas em direção à classe.
Então amanhã a Thaís vem aqui em casa para olhar minhas roupas, fazer umas compras no shopping (eu sabia que cinco anos juntando 10 reais por mês de mesada iam servir pra alguma coisa. Minha mãe jamais me daria dinheiro para eu fazer compras) e depois começar a arrumar minhas malas.
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